Um produtor de cerveja e uma companhia de refrigerante se reúnem com suas equipes de marketing, vendas e logística para compartilhar dados e pesquisas de tendência de consumo, aumentando a rentabilidade das operações e a previsibilidade dos mercados. Porque o consumo de bebidas alcóolicas cresceu ou diminuiu em determinado período? Quais os feriados onde se consome mais refrigerante e como isso influencia a venda de outras bebidas? Como a interação da marca nas redes sociais impacta no sucesso promocional ou no lançamento de uma nova bebida?
Esse tipo de convergência operacional é o que propõe o modelo de “Demand Sensing”, que começa a ser observado em grandes multinacionais pelo mundo apoiado no uso de softwares, tecnologias de machine learning e análise de big data. No Brasil, apesar da evolução crescente dos processos de planejamento de demanda e na integração dos planos de vendas e de operações, o compartilhamento ainda esbarra na cultura da falta de confiança corporativa, segundo avaliam especialistas da Diagma – Consultoria em Supply Chain.
Quase 80% das informações necessárias para operação do projeto de supply chain estão disponíveis externamente à empresa, em um mercado onde poucos gestores investem na visibilidade de cadeia. Resultado disso é que 70% dos varejistas brasileiros não conseguem prever nem mesmo os atrasos de abastecimento e entrega dos produtos de seus fornecedores.
Em um mercado onde cerca de 61% dos compradores entre 18 e 34 anos abandonam uma marca quando ocorrem problemas relacionados a cadeia de suprimentos, por exemplo, demora na entrega de um produto, torna-se fundamental aprimorar as operações e prever melhor o comportamento dos mercados para atender este consumidor cada vez mais ansioso e exigente.
Mas, se a maioria das empresas já evoluiu seus processos de varejo e ferramentas internas de planejamento, na relação com parceiros e concorrentes o modelo tradicional ainda encontra resistência na integração.
Eduardo Sanches, especialista da Diagma – Consultoria em Supply Chain, explica como o Demand Sensing aumenta a visibilidade das informações da cadeia de suprimentos e do mercado, permitindo utilizar estes dados para estimar e estimular a demanda. “O Demand Sensing, além do histórico estatístico, considera dados do mercado e da concorrência, lealdade e preferência de marca, mídias e redes sociais, dados detalhados dos pontos de venda e dos canais de venda, clima e elasticidade das promoções. Passa-se então a ter uma quantidade gigantesca de dados, algo que no Demand Planning seria algo em torno de 100.000 dados, em média, o Demand Sensing alcança 10 bilhões de dados. A mudança é de um modelo estimativo para um preditivo”, explica Eduardo. Multinacionais como Unilever, Procter & Gamble e Kimberly-Clark são algumas das grandes investidoras em Demand Sensing na era digital.
O problema cultural da falta de confiança mútua nas empresas brasileiras aparece no momento de compartilhar dados, mantendo retail e indústria afastados da gestão compartilhada. Se a indústria muitas vezes já está voltada para os processos de gestão, há pouca conexão e diálogo com o varejo, realmente responsável por levar o produto até o consumidor. Pesquisa realizada pela entidade internacional EurOMA aponta que o índice de compartilhamento de dados entre indústria e fornecedores é de 54% sobre planos de produção e de apenas 26% para mutualização.
A solução? Construir uma relação passo a passo de confiança e apoio mútuo entre setores de uma mesma empresa e mesmo entre concorrentes. “A ferramenta do varejo para prever a demanda é o histórico de vendas, sem considerar outros elementos. A mudança deve começar devagar, testando oportunidades. Ao incorporar um novo dado do mercado, quanto aumenta a previsibilidade da demanda? Quantas oportunidades de negócio se criam? Com essa percepção de previsibilidade e números em mãos a confiança vai se criando naturalmente”, explica o especialista.
Para viabilizar este atendimento ao cliente final, sem onerar custos, recomenda-se investir em uma gestão cada vez mais integrada, não só de produtos, mas de informações. Em um momento de transformação digital na sociedade e nos negócios é certo que toda gestão de informação é “digitalizável” e não seria diferente na gestão da cadeia de produtos.
“Trabalhar com Demand Sensing envolve investimentos em tecnologia, mas há uma importância tremenda em obter os dados da ponta, ou seja, dos pontos de venda e dos influenciadores de consumo. Estes estão, em geral, disponíveis para o varejista, mas raramente para a indústria. Quantas empresas conhecem seu “sell in” (venda para varejo), no entanto nem fazem ideia do “sell out” (venda para consumidor)? Antes de evoluirmos digitalmente, temos que evoluir para uma cultura de confiança de que o trabalho colaborativo entre empresas, por exemplo, indústria e varejo, gera valor compartilhado para toda cadeia de suprimentos até o consumidor”, completa Eduardo.